segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

DEMOCRACIA - O MELHOR REGIME OU O MENOS PIOR

 

        Mais democracia não é o remédio para os males da democracia; é o começo da ditadura.  Com tanta frequência e de boca tão cheia os tolos e os espertalhões falam de “democracia social”, de “democracia cultural”, que acabamos esquecendo que o uso da palavra “democracia” fora do estrito domínio político-jurídico é apenas uma figura de linguagem — a qual, tomada ao pé da letra, resulta em completo nonsense.  Democracia é o nome de um regime político definido pela vigência de certos direitos. Como tal, o termo só se aplica ao Estado, nunca ao cidadão, à sociedade civil ou ao sistema econômico, pois em todos os casos o guardião desses direitos é o Estado e somente ele. Só o Estado pratica — ou viola — a democracia. A sociedade civil vive nela e se beneficia de seus direitos, mas nada pode fazer a favor ou contra, exceto através do Estado.

        O homem que oprime seu vizinho não atenta contra “a democracia”, mas apenas contra um direito individual, o qual existe só porque o oprimido e o opressor são ambos cidadãos de um Estado democrático: democracia é o pressuposto estatal desse direito, não o exercício dele pelo sr. fulano ou beltrano. Se o mesmo direito não existisse, isto é, se o Estado não o reconhecesse, não é o opressor individual que seria antidemocrático, mas sim o Estado. Quando se diz que um cidadão “pratica a democracia” porque respeita tais ou quais direitos, o uso da palavra é rigorosamente metonímico: democrática não é a ação individual em si, mas sim o quadro jurídico e político que a autoriza ou determina.  Do mesmo modo, se uma empresa decide nivelar as diferenças de salários entre seus empregados de funções idênticas, não está “praticando a democracia”, mas apenas pondo em prática um direito que existe porque o Estado democrático o assegura. E se fizer o mesmo fora de um Estado democrático, nem por isto estará implantando uma democracia, pela simples razão de que age por iniciativa isolada, incapaz, por si, de estatuir direitos.

        Democrático ou antidemocrático é o Estado e somente o Estado; os cidadãos e os grupos sociais são apenas obedientes ou desobedientes à ordem democrática. A democracia é nada mais que a ordem política e jurídica na qual certos atos são possíveis — e dizer que estes atos são “democráticos” é tomar o condicionado pela condição que o possibilita: é metonímia.  Mas o erro em que incorre quem toma literalmente a sério expressões como “democracia econômica” ou “democracia social” vai muito mais fundo do que um mero deslize semântico. Pois a transposição da ideia democrática para outros campos além do político-jurídico, em vez de estender a esses domínios os benefícios que a democracia assegura no seu domínio próprio, resulta apenas em ampliar o domínio político-jurídico: tudo se torna objeto de lei, tudo fica ao alcance da mão da autoridade. Mas a democracia, por essência, consiste justamente em limitar o raio de ação do governante: estendê-la é destruí-la.

        Daí que a vitória mundial da ideia democrática traga, consigo, a tentação suicida de tudo democratizar, que no fim das contas é tudo politizar, dando àquele que tem o poder político um poder ilimitado sobre todos os outros domínios e esferas da vida. O remédio para os males da democracia não está em mais democracia: está  em reconhecer que a democracia não é o remédio de todos os males. 

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