sábado, 31 de dezembro de 2022

MANOEL DE BARROS - UM VERDADEIRO POETA


 

O filósofo catalão Rafael Argullol define a poesia como “a destilação do silêncio”. Em um dos versos das Memórias inventadas, o poeta Manoel de Barros confirma este elo essencial entre a escrita poética, o desaparecimento e a mudez: “Uso a palavra para compor meus silêncios.” Esse apego ao recolhimento é, no caso de Manoel, uma estratégia que cobiça o nada. Uma arte da meditação. Está escrito em O guardador de Águas: “Não tenho bens de acontecimentos./ O que não sei fazer desconto nas palavras.”


O objetivo da poesia de Manoel de Barros não é explicar, mas “desexplicar”. Ela se desenrola além da razão e de seus bons argumentos. Por isso, provavelmente, é uma poesia que se apega à infância, momento da vida em que todos os sentidos ainda estão por se fazer. A criança tem a liberdade para cultivar uma visão torta das coisas. Seu olhar é sinuoso, e não reto. A razão — que nos fascina desde o Iluminismo — ainda é uma quimera. Nesse corajoso retorno à infância, Manoel trabalha com inversões, deslocamentos, deformações — “brincadeiras” semelhantes as dos primeiros anos de vida. Pode dizer coisas como: “O córrego ficava à beira/ de um menino…” ou “luava um pássaro”. É toda uma realidade que se inverte, libertando-se das amarras do bom senso. Não só dele, mas do valor solene e definitivo que os adultos, em geral, atribuem às palavras.


O poeta Manoel de Barros não blefava, não mentia, ao contrário, levava a encarar a difícil verdade. A poesia de Manoel é feita de restos, de sobras, de dejetos. Como ele diz em um poema: de “inutensílios”. É uma poesia que se instala nos primórdios, quando as palavras ainda se confundem com as imagens. Ela confirma, assim, o caráter “inútil” — isto é, não pragmático, indiferente aos resultados — que a define. Como ele mesmo diz no Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave: “Passei anos me procurando por lugares nenhuns./ Até que não me achei — e fui salvo.”


Estranha salvação promovida não por um encontro, mas por um desencontro. Barros elogia também os defeitos, os desvios e o desprezível. De seu personagem Bernardo, ele diz que “desregula a natureza”.


Está dito no Livro Sobre Nada: “A sensatez me absurda.” Por isso, talvez, alguns intelectuais sisudos, inseguros, dele se afastem e até neguem sua grandeza. Nada disso o importunava. Dizia Manoel ter aprendido com o pintor boliviano Rômulo Quiroga que a força de um artista não vem de seus sucessos, mas de suas derrotas. É ali onde a arte falha — em pleno silêncio aterrador — que a poesia nasce. Quando pensa em suas palavras, perde o medo de errar. Mesmo com os cabelos brancos, Manoel ainda vivia uma infância na qual “não havia limites para ser”.


Preferia as ciências “que analfabetam”. Orgulhava-se, também, de seu senso apurado “de irresponsabilidades”. No Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, ele escreve: “Meu fado é o de não saber quase tudo.” Toma uma posição oposta a dos poetas sabichões, para quem a contradição é intolerável. Sabia, ao contrário, que a realidade é feita de lados divergentes. De difíceis paradoxos. É uma esfera que, em seu centro, sustenta a ignorância. Em Menino do Mato, ele diz: “Certas visões não significavam nada mas eram passeios verbais.” Sua poesia não está só além dos significados: ela os desmonta. Aquele homem sereno não tinha medo de enlouquecer. Ao contrário: sabia que, sem uma dose de desrazão, não se consegue fazer arte. Em O livro das Ignorãças ele afirma: “No descomeço era o verbo./ Só depois é que veio o delírio do verbo.”


O apego ao silêncio era uma forma que Manoel encontrava para ir além das palavras. Repetia um pouco Clarice Lispector, que escrevia para chegar “atrás de detrás dos pensamentos”. Ambos foram desbravadores, e isso os envolveu no manto da desconfiança. Na verdade: dá medo. Sua escrita errante e tortuosa dele se alimenta. “Sou mais a palavra com febre”, escreve nos Arranjos para Assobio. Também não temeu a sujeira — que, aliás, desde as primeiras fraldas, define o humano: “O que é bom para o lixo é bom para a poesia”, recomenda em Matéria de Poesia.


Por tudo isso, o encontro com a poesia de Manoel de Barros promovido por esta antologia se torna, ao mesmo tempo, um desencontro. O leitor se desencontra consigo mesmo e com tudo o que aprendeu: eis a poesia. O leitor tropeça no desconhecido e, ao se mirar no espelho das palavras, se desconhece: a poesia de novo. Manoel nunca temeu afirmar que o nome empobrece a imagem. Que a palavra a diminui e prende. Ainda assim, a palavra é tudo o que um poeta tem. Aceitando seu destino, escreveu: “Com esses exercícios os nossos/ desconhecimentos aumentaram bem."

 

Adaptado do livro: Meu Quintal é Maior que o Mundo de Manoel de Barros

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO - 56 ANOS DEPOIS

 

"Sociedade do espetáculo": esta expressão já está em voga, especialmente ao se falar de televisão. No Brasil, parece se impor mais do que em outros lugares. Poucos, porém, sabem que, na origem, este era o título de um livro de Guy Debord. Lançado na França em 1967, A Sociedade do Espetáculo tornou-se inicialmente livro de culto da ala mais extremista do Maio de 68, em Paris; tornou-se um clássico em muitos países. Em um prefácio de 1982, o autor sustentava com orgulho que o seu livro não necessitava de nenhuma correção.O "espetáculo" de que fala Debord vai muito além da onipresença dos meios de comunicação de massa, que representam somente o seu aspecto mais visível e mais superficial. Em 221 brilhantes teses de concisão aforística e com múltiplas alusões ocultas a autores conhecidos, Debord explica que o espetáculo é uma forma de sociedade em que a vida real é pobre e fragmentária, e os indivíduos são obrigados a contemplar e a consumir passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em sua existência real.


Têm de olhar para outros (estrelas, homens políticos...) que vivem em seu lugar. A realidade torna-se uma imagem, e as imagens tornam-se realidade; a unidade que falta à vida, recupera-se no plano da imagem. Enquanto a primeira fase do domínio da economia sobre a vida caracterizava-se pela notória degradação do ser em ter, no espetáculo chegou-se ao reinado soberano do aparecer. As relações entre os homens já não são mediadas apenas pelas coisas, como no fetichismo da mercadoria de que Marx falou, mas diretamente pelas imagens. Para Debord, no entanto, a imagem não obedece a uma lógica própria, como pensam, ao contrário, os pós-modernos "a la Baudrillard", que saquearam amplamente Debord.


A imagem é uma abstração do real, e o seu predomínio, isto é, o espetáculo, significa um "tornar-se abstrato" do mundo. A abstração generalizada, porém, é uma consequência da sociedade capitalista da mercadoria, da qual o espetáculo é a forma mais desenvolvida. A mercadoria se baseia no valor de troca, em que todas as qualidades concretas do objeto são anuladas em favor da quantidade abstrata de dinheiro que este representa. No espetáculo, a economia, de meio que era, transformou-se em fim, a que os homens submetem-se totalmente, e a alienação social alcançou o seu ápice: o espetáculo é uma verdadeira religião terrena e material, em que o homem se crê governado por algo que, na realidade, ele próprio criou.


Nessa base, Debord condena toda a sociedade existente, não somente fraquezas individuais e imperfeições. Em 1967, Debord distinguia dois tipos de espetáculo. O "difundido" (o tipo ocidental, "democrático") caracterizava-se pela abundância de mercadorias e por uma aparente liberdade de escolha. No espetáculo "concentrado", ou seja, nos regimes totalitários de toda a espécie, a identificação mágica com a ideologia no poder era imposta a todos para suprir a falta de um real desenvolvimento econômico. Toda a forma de poder espetacular justificava-se denunciando a outra; e nenhum sistema, além destes dois, devia ser imaginável.


Debord, portanto, reconheceu na antiga e extinta URSS, nada menos do que 25 anos antes de seu fim, uma forma subalterna – e destinada, enfim, a sucumbir - da sociedade da mercadoria. Mas, por um longo período, enquanto existia um proletariado inquieto, o comunismo de Estado desempenhou uma função essencial para o espetáculo ocidental: a de assegurar que os rebeldes potenciais se identificassem com a mera imagem da revolução, delegando a ação real aos Estados e aos partidos comunistas totalmente cúmplices do espetáculo ocidental; ou, então, a pressupostos revolucionários muito distantes, no Terceiro Mundo.




Debord anunciou, no entanto, o aparecimento de um movimento de contestação de tipo novo: retomando o conteúdo liberatório da arte moderna, teria como programa a revolução da vida cotidiana, a realização dos desejos oprimidos, a recusa dos partidos, dos sindicatos e de todas as outras formas de luta alienadas e hierárquicas, a abolição do dinheiro, do Estado, do trabalho e da mercadoria. Por isto, Debord sempre considerou o conteúdo profundo de 1968 como uma confirmação de suas ideias.

Teve, porém, de admitir, em Comentários Sobre a Sociedade do Espetáculo (1988), que o domínio espetacular conseguiu se aperfeiçoar e vencer todos os seus adversários; de modo que agora é a sua própria dinâmica, a sua desenfreada loucura econômica a arrastá-lo em direção à irracionalidade total e à ruína. Os dois tipos anteriores de espetáculo deram lugar, no mundo todo, a um único tipo: o "integrado". Sob a máscara da democracia, este remodelou totalmente a sociedade segundo a própria imagem, pretendendo que nenhuma alternativa seja sequer concebível. Nunca o poder foi mais perfeito, pois consegue falsificar tudo, desde a cerveja, o pensamento e até os próprios revolucionários. Ninguém pode verificar nada pessoalmente. Ao contrário, temos de confiar em imagens, e, como senão bastasse, imagens que outros escolheram. Para os donos da sociedade, o espetáculo integrado é muito mais conveniente do que os velhos totalitarismos. A América Latina sabe algo a respeito. Mas Debord (1931-1994) não é apenas um dos poucos autores de inspiração marxista que hoje podem dar uma contribuição válida para a análise do capitalismo globalizado e pós-moderno. Ele também fascina por sua vida singular, sem compromissos e conforme as suas teorias.


A busca da aventura e da vida "verdadeira" esteve na base de sua vida pessoal - da qual a sua autobiografia Panegírico e os seus filmes falam -, assim como de sua teoria. Levou uma existência intencionalmente "maldita", às margens da sociedade, sem um trabalho reconhecido, sem nenhum contato com as instituições, sem nunca ter frequentado uma universidade, concedido uma entrevista ou participado de um congresso e, no entanto, conseguiu fazer com que fosse ouvido. Levou adiante a sua batalha contra a sociedade espetacular exclusivamente com os meios que ele próprio criou para si: em primeiro lugar, com a Internacional Situacionista, uma pequena organização que existiu entre 1957 e 1972 e que se originou da decomposição do surrealismo parisiense e de outras experiências artísticas.


Com a revista homônima e novos meios de agitação (quadrinhos, organização de escândalos), os situacionistas souberam prefigurar, muito melhor do que a esquerda "política", as novas linhas de conflito na sociedade "da abundância". Entre outras coisas, criticavam impiedosamente a nova arquitetura, o vazio e o tédio do pós-guerra. Com poucas intervenções miradas, os situacionistas fizeram com que ideias subversivas - que, por volta de 1960, eram compartilhadas por um punhado de pessoas - se tornassem, em 1968 e posteriormente, um fator histórico de primeira ordem. Os situacionistas, e particularmente Debord, distinguem-se pelo estilo inconfundível, e não somente no plano literário. Era o resultado da mistura entre um conteúdo radical - que remetia, entre outros, aos dadaístas, aos anárquicos e à vida popular parisiense - e um tom sofisticado e aristocrático, com muitas referências à cultura clássica francesa.


Este estilo, assim como a sua verve polêmica, mesmo para com todos os supostos contestadores (esquerda oficial, artistas "engajados"...), sua inacessibilidade e a sua transgressividade nas formas, logo os cercou de um ódio significativo, mas sobretudo de uma aura de mistério. Que ainda vive, 30 anos depois: com efeito, ainda se publicam textos dos situacionistas e sobre eles, embora amiúde procurem fazê-los passar exclusivamente por última "vanguarda cultural". Na França, ao contrário, só querem enxergar em Debord o escritor. Ainda hoje não querem perdoá-lo por ter escrito A Sociedade do Espetáculo.

 


 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Fratelli Tutti à sombra do Antropoceno


Entre as inúmeras aparições do Papa Francisco, qual será considerada pela posteridade como a mais icônica? Provavelmente nem a visita a Lampedusa entre os migrantes nem o encontro com os povos indígenas da Amazônia, embora ambos sejam imagens peculiares do seu pontificado – mas sim a sua aparição em uma Praça de São Pedro deserta durante a pandemia do coronavírus.

 

Uma figura de branco, sozinha, que subia fatigantemente os degraus rumo à Basílica de São Pedro, para depois dar a bênção eucarística Urbi et Orbi: essa será a imagem que entrará nos livros de história. Uma visão, sem dúvida, cheia de contrastes: a imagem do papa solitário ao entardecer debaixo da chuva, em contraste com a imagem familiar, para os telespectadores de todo o mundo, dele olhando para a Praça de São Pedro saudado pela exultação de dezenas ou centenas de milhares de fiéis entre as colunas de Bernini. E, depois, em março de 2020, uma manifestação poderosa de vulnerabilidade que comoveu até os não crentes.

 

No entanto, a pandemia está ofuscando a consciência referente a outra calamidade. Longe das câmeras, em agosto de 2018, Greta Thunberg prestava um testemunho anônimo dessa calamidade, brandindo o seu cartaz com a frase “School Strike for Climate” (Greve escolar pelo clima), em Estocolmo, totalmente sozinha, em frente ao Parlamento sueco. Na época com 15 anos, armada de um talento notável e de muita obstinação, ela desencadeava a proverbial avalanche.

 

A partir dos “Fridays for Future”, o aquecimento global (e a falta de combate a esse problema) tornou-se um refrão em todo o mundo. A indignação de Greta nas Nações Unidas (com o seu “Como vocês se atrevem?”) teve uma cobertura tão vasta na mídia que a revista estadunidense Time nomeou a menina como “Pessoa do Ano de 2019”.

 

Mas a Covid-19 apagou Greta da memória coletiva. E se trata de uma supressão de primeiro grau, porque já está claro a todos os especialistas que a pandemia da Covid-19 é apenas o prelúdio de uma era de colisões na biosfera devidas a uma relação já comprometida entre o gênero humano e a natureza. E esse é também o sentimento do escritor britânico Ian McEwan: “A Covid é o nosso tutorial em massa, a nossa prova geral de todos os danos e os infortúnios pessoais que a emergência climática pode causar. Recebemos o aviso de um desastre em escala planetária” (The Wall Street Journal, 19 de março de 2021).

 

Por trás da Covid-19, esconde-se uma crise da natureza, e, depois da pandemia, o Antropoceno se assoma no horizonte. Como o próprio Papa Francisco contou, ele foi surpreendido pela pandemia enquanto escrevia a encíclica Fratelli tutti. Mas a encíclica tem algo a dizer sobre essa crise da natureza que está destinada a se tornar a marca distintiva do século XXI? A mensagem da fraternidade universal pode se realizar à sombra do Antropoceno?
 
Antropoceno: um conceito que esconde um abismo

 

Raramente uma exclamação teve tanto sucesso. Em 2000, durante uma conferência sobre a mudança global em Cuernavaca, no México, Paul J. Crutzen, cientista de Mainz, premiado com o Nobel pelo seu trabalho sobre o buraco de ozônio, não conseguiu se conter: “Paremos de usar a palavra Holoceno. Não estamos mais no Holoceno. Estamos no Antropoceno!” (E. Horn - H. Bergthaller, The Anthropocene. Key Issues for the Humanities, Routledge, 2019). No início, houve um silêncio atônito, em seguida, no momento do coffee break, o termo começou a circular, difundindo-se primeiro nos círculos profissionais e depois, na última década, entre um público mais amplo, até entrar em todos os âmbitos, da sociologia à arte.

 

O que Crutzen queria dizer? A Terra entrou em uma nova época histórica em que o gênero humano deve ser considerado uma força geológica, da mesma forma que as erupções vulcânicas e os terremotos. A atividade humana está modelando a superfície da Terra e a atmosfera em larga escala e de modo permanente, entre o aquecimento global com as suas consequências para a flora, a fauna e o habitat humano e a impermeabilização da superfície terrestre com a interrupção do ciclo da água, a rápida redução da biodiversidade, a poluição de ar, solo e água por meio de substâncias tóxicas, com uma população humana em rápido crescimento e a exploração de recursos para a criação de gado de corte.

 

A biosfera terrestre está atualmente superexplorada por um fator de 1,7, por isso não é nenhuma surpresa que a natureza, tanto em nível local quanto global, esteja gemendo de fadiga. Em consideração a essa mudança epocal, o discurso convencional sobre a crise ambiental foi posto em exibição como em uma vitrine. Mas não se trata aqui de ambiente, mas sim da natureza subjugada por influência do ser humano; e, novamente, não se trata de uma crise passageira, mas sim de uma era geológica.

 

O que o termo “Antropoceno” nos transmite, desde que a geologia histórica o aceite em termos de classificação, é um alerta inquietante: enquanto o gênero humano não reduzir drasticamente sua pegada ecológica, assistiremos ao colapso gradual de um número cada vez maior de formas de vida conhecidas no mundo.

 

Essas mudanças induzidas pelo ser humano no planeta estão tendo um efeito bumerangue que poderia dar origem a uma catástrofe gradual. Nunca na história humana o poder e a impotência foram tão inseparáveis como no Antropoceno, um tempo em que coexistem lado a lado as viagens espaciais e o aquecimento global, os arranha-céus e a extinção das espécies, as interconexões digitais e a urbanização, tudo causado pelas tentativas humanas de controlar a natureza.

 

Parece que quanto mais profundamente nós, humanos, intervimos no sistema terrestre, mais temos que enfrentar processos que vão além do nosso controle.

 

Temos mais poder sobre a natureza, mas ao mesmo tempo a natureza tem mais poder sobre nós. Isso leva à situação paradoxal em que as pessoas do século XXI se encontram divididas entre um enorme poder humano e uma grande perda de controle.

 
Da Laudato si’ à Fratelli tutti

 

“Recebemos a Terra do Criador como uma casa-jardim”, disse o Papa Francisco no encontro com os dirigentes de empresas petrolíferas e do setor energético em junho de 2018. “Não a transmitamos às futuras gerações como um lugar selvagem.” O papa exortou as empresas a abandonarem os combustíveis fósseis e a investirem nas energias renováveis.

 

Na encíclica Laudato si’, ele havia falado da profanação da natureza e do grito do pobre, um tema recorrente do seu pontificado. Quem não se lembrará de como, com profunda autocrítica, ele havia se distanciado do dominium terrae de Gênesis 1? Isto é, da ideia de que os seres humanos são dominadores e proprietários da natureza, como postulado por Descartes no início da era moderna.

 

O papa, pelo contrário, chama a Terra, em puro espírito franciscano, de mãe e irmã. Ele também chama a atenção para a contraparte da natureza, a tecnosfera. Ele desaprova o imperativo da eficiência econômica que permeia a tecnologia, deixando pouco espaço para o bem-estar, e não só dos seres humanos. O fabuloso crescimento do poder humano permaneceu sem senso de responsabilidade e clarividência.

 

Em contraste, a natureza não aparece na encíclica Fratelli tutti. Esta se centra totalmente na observação da relação com os outros dentro do horizonte visionário de um mundo justo e fraterno. Este se contrapõe à “globalização da indiferença”, como o Papa Francisco a definiu em Lampedusa, propondo, em vez disso, uma globalização da fraternidade, que abrange um amplo leque de questões: dos males de um mundo fechado aos outros, como o medo dos migrantes, a fácil violação dos direitos humanos, a solidão digital, aos princípios para um mundo hospitaleiro marcado pela dignidade humana, pela busca do bem comum e pelo diálogo entre culturas.

 

E, até agora, tudo bem, mas não há nenhuma menção à crise da natureza. Isso é surpreendente, pois o discurso da fraternidade com todos os seres vivos poderia ter sido o fio condutor entre as duas encíclicas. No entanto, a Fratelli tutti aborda as questões existenciais do gênero humano, com o foco central na busca – que remonta a Abel e a Caim – de uma sociedade sem violência e sem discriminação, mas marcada pela solidariedade e pelo senso de comunidade.

 

Portanto, o documento magisterial do papa aborda os fatos que estão na vanguarda da história: a opressão, o egoísmo dos ricos, as migrações. Por outro lado, os eventos de segundo plano permanecem ocultos: o aquecimento global, a perda de biodiversidade, a urbanização. O que esses dois cenários têm em comum? E como um memorando sobre a coesão da sociedade global pode contribuir com o conceito de Antropoceno?

 
O declínio do estilo de vida imperial

 

É preciso levar em consideração três fatos:

 

1) o número dos habitantes da Terra aumentou rapidamente, de 2,5 bilhões em 1950 para os atuais 7,8 bilhões;

 

2) desde 1950, o Antropoceno sofreu uma enorme aceleração: a natureza teve que servir de mina de carvão, de petróleo, de gás, de metais, de minerais e de água doce; teve que se pôr à disposição como área para a infraestrutura, a urbanização, a agricultura e teve que suportar vapores de todos os tipos, como emissões poluentes, pesticidas e nitratos: a Terra se curvou ao estilo de vida industrial;

 

3) o avanço da desigualdade global, entre quem tem e quem não tem nada, entre os possuidores e os refugiados, entre quem tem poder e quem não o tem. A desigualdade econômica se replica na desigualdade ecológica. Como consequência, metade da humanidade se empanturra de natureza, enquanto a outra metade tem que se contentar com migalhas. Sem meios termos, o anthropos da palavra Antropoceno é sinônimo de dominação global dos ricos sobre os pobres por meio da exploração da natureza.

 

Talvez alguns dados possam ajudar. Se observarmos a população mundial de acordo com a classe de renda e examinarmos as suas emissões de CO2, surge uma enorme lacuna. Em 2015, uma pequena parcela da população que produzia 50% da renda mundial provocava impressionantes 93% das emissões de CO2, enquanto a metade mais pobre era responsável por apenas 7%.

 

Se olharmos o mapa-múndi para identificar onde residem as classes alta e média globais, surge o seguinte quadro: em relação às emissões globais de pessoas com renda média/alta, 35,9% provêm da América do Norte e da Europa, 24,8% da China, 13,6% do restante da Ásia incluindo a Índia, 13,6% do Oriente Médio e da Rússia/Ásia Central, 3,5% da América Latina e 1,7% da África. Por outro lado, a outra metade da população mundial, aquela dos de 7%, encontra-se principalmente na Índia, China, África e América Latina.

 

Da mesma forma, a divisão do mundo se reflete nas emissões climáticas. Viagens aéreas, mercado imobiliário e bifes são típicos das classes altas do mundo, enquanto os carros de segunda mão, as máquinas de lavar e o ar-condicionado são comuns entre a classe média. E depois há a classe dos mais pobres, que têm que se contentar em viajar em ônibus lotados, alimentando-se de modo inadequado e fazendo uso de latrinas.

 

De modo geral, entre 1970 e 2017, a demanda anual por materiais, por exemplo biomassa, recursos fósseis, minerais, metais, aumentou de 7 toneladas per capita para 12 toneladas. O desmatamento em grande escala e o esvaziamento das áreas de pesca, as plataformas de petróleo e os gasodutos, as minas de prata e a extração de lítio a céu aberto são exemplos de extrativismo de recursos. E aqui também os ricos levam a parte do leão: a pegada material (tanto interna quanto externa) do consumo nos países com renda alta é de cerca de 27 toneladas per capita, nos países de renda média é de 16 toneladas e nos países com renda baixa é de 2 toneladas.

 

Mudando o foco para as multinacionais que comercializam materiais tirados da biosfera, o grau de concentração é surpreendente: nada menos do que quatro empresas têm uma parcela de 84% do mercado global de pesticidas, cinco empresas são responsáveis por 90% do mercado de óleo de palma, 10 empresas estão envolvidas na extração de cobre (50%) e de prata (36%), outras 10 controlam 72% das reservas de petróleo e 51% das reservas de gás. Naturalmente, todas têm as suas sedes em arranha-céus, principalmente na América do Norte, Europa, China e Oriente Médio.

 

Se olharmos para os últimos 70 anos, podemos afirmar que o modelo econômico predominante não é nem justo nem sustentável. Pelo contrário, ele alimenta a polarização social e provoca uma colisão com a natureza. Portanto, é incapaz de garantir o bem comum global. Além disso, esse modelo econômico desastroso deu origem a um estilo de vida imperialista que, por meio do poder de vínculos práticos, obtém aquilo que tenta esconder: que alguns vivam às custas de outros.

 
Uma ecologia com intenção cosmopolita

 

Tudo isso fica claro quando se leem as inúmeras mensagens, os discursos e as encíclicas do Papa Francisco: ele absolutamente não está olhando o mundo a partir da perspectiva do progresso e do crescimento, mas da desigualdade global e da destruição da natureza. Esse é o motivo pelo qual ele está levando adiante um conceito de mundo como alternativa ao neoliberalismo e ao estatismo, baseado na fraternidade. Uma ideia bíblica que adquiriu relevância durante a Revolução Francesa, com o slogan antifeudal/democrático “Liberté, Égalité, Fraternité”, e que após 1848 foi substituído pelo conceito de solidariedade tanto pelo movimento operário quanto pelo ensino social cristão. Um eco tardio ainda pode ser encontrado no hino europeu, o “Hino à alegria”, de Schiller, musicado por Beethoven (“Alle Menschen werden Brüder”, todos os homens serão irmãos).

 

Comparada com a “solidariedade”, a palavra “fraternidade” assume uma característica imediata, que consiste em estabelecer uma relação de parentesco. Entre irmãos/irmãs, quer vivam distantes ou perto, existe um certo vínculo indissolúvel: eles partilham os eventos e as coisas da vida; ficam quase fisicamente afetados se um deles estiver mal. Além disso, no momento em que chamamos alguém de irmão ou irmã, mesmo que em sentido metafórico, professamos ter progenitores comuns.

 

Quando Francisco de Assis, no “Cântico do Irmão Sol”, chama as estrelas, o fogo, a água e a terra de irmão ou irmã, ele celebra Deus Pai. Entendido de forma secular, isso pode significar aparentar-nos com os seres humanos e não humanos para manter exuberante de saúde a árvore da vida familiar sobre a terra. Geneticamente, os humanos têm muito em comum com outros mamíferos; eles participam, junto com outros animais, da atmosfera criada pelas plantas que cercam a Terra, na delicada camada da biosfera, da qual não existe um exemplo semelhante em todo o universo. Estreitados nesse vínculo, como irmãos/irmãs, fraternidade significa cuidar dos fundamentos naturais da vida das criaturas humanas e não humanas.

 

“Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos”, afirma a encíclica. “Mas precisamos de nos constituirmos como um «nós» que habita a casa comum. Um tal cuidado não interessa aos poderes econômicos que necessitam de um ganho rápido” (Fratelli tutti, n. 17). As incumbentes consequências negativas ocultas, embora óbvias, do Antropoceno afetam a todos, especialmente no Sul do mundo, junto com os animais e as plantas da terra inteira. E isso é verdade particularmente para o quarto mais pobre da população mundial, que depende do acesso gratuito às áreas naturais para sua própria subsistência, e para o qual a savana, a floresta, a água, as terras aráveis e também os peixes, os animais de caça e os animais de criação são meios de subsistência imediata.

 

Os direitos humanos como a alimentação, o vestuário, a habitação, os remédios e também a cultura estão ligados a ecossistemas intactos em economias de subsistência. Esse vínculo entre os direitos humanos e os espaços naturais é um tema particularmente caro ao Papa Francisco, como se pôde observar de modo evidente com o Sínodo para a Amazônia de 2019, durante o qual ele se cercou de representantes das populações indígenas.

 

É claro que ele também pensa neles quando cita Francisco de Assis no primeiro parágrafo da encíclica: “Feliz quem ama o outro, ‘o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si’ (Fratelli tutti, n. 1). E esta não é uma posição distante do programa cosmopolita que remonta à stoà, passando pelo Iluminismo, até a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1848, segundo a qual o mundo é uma comunidade de pessoas, não um conjunto de Estados ou de clãs, mas uma comunidade na qual todos têm o direito de receber justiça, assim como de oferecê-la.

 

Naturalmente, os direitos de uns não podem ser obtidos sem os deveres dos outros. No debate internacional, no entanto, fala-se frequentemente de direitos humanos, e muito pouco de deveres humanos. E como a universalidade dos direitos humanos pode ser garantida se não for contrabalançada pela universalidade dos deveres humanos? Levantar a hipótese não dos direitos, mas da sua contrapartida – os deveres universais – foi o movimento decisivo da ética de Immanuel Kant.

 

Como bem se sabe, o imperativo categórico é: aja segundo aquela máxima que você deseja que todas as outras pessoas racionais sigam, como se fosse uma lei universal. Em perspectiva kantiana, a injustiça, portanto, pode ser definida assim: as instituições políticas e econômicas são injustas quando se baseiam em princípios que não podem ser assumidos por todas as nações. Nas palavras pungentes da encíclica: “Enquanto uma parte da humanidade vive na opulência, outra parte vê a própria dignidade não reconhecida, desprezada ou espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados” (Fratelli tutti, n. 22).

 

Um exemplo flagrante disso é a distribuição desigual dos recursos naturais, que foram acumulados pelas classes médias e altas do mundo em tal medida que os pobres não podem dispor deles para poderem alcançar um nível igual. E, pior ainda, a metade mais pobre da população global não tem a permissão de se desenvolver no mesmo nível, porque senão os limites do planeta seriam ultrapassados.

 

Assim, falando em termos esquemáticos, a distribuição internacional dos recursos torna-se um jogo de soma zero, no qual vencer significa que outros perdem. Injusto e limitativo – nisso reside um poder explosivo que pode desembocar em conflitos e, em casos extremos, em guerras pela obtenção dos recursos.

 

Só há uma saída: uma renúncia disciplinada ao estilo de vida imperialista. Porque não está claro como podem ser disponibilizados, por exemplo, a motorização em massa, as residências com ar-condicionado ou o alto consumo de carne para todos os habitantes do planeta. Uma prosperidade frugal deveria estar na ordem do dia, de modo a combinar uma economia de recursos com estilos de vida diferentes em todo o mundo. Uma tarefa que levará uma boa parte do século para ser realizada, na qual certamente serão indispensáveis um movimento popular democrático, uma transformação da tecnologia e uma moderação na economia e no estilo de vida.

 

Acima de tudo, uma pegada ecológica menor deverá ser acompanhada por processos de eliminação gradual e por um novo desenvolvimento. Por exemplo, a energia fóssil, os produtos petroquímicos e os automóveis terão que ser substituídos gradualmente pelo desenvolvimento de energias renováveis, por sistemas de mobilidade suave, por uma agricultura regenerativa e pela restauração das áreas naturalistas. Isso não seria nada menos do que uma declaração de guerra contra a civilização industrial das classes médias e altas do mundo, nos Estados Unidos assim como no Uruguai, na China assim como no Chile. Uma revolução não só contra quem está no poder, mas também contra todo um estilo de vida, real ou imaginário, de grande parte da população mundial.

 

Será doloroso, mas também estimulante. Será conflitante, mas também galvanizante. De todos os modos, é necessário mudar o nosso modo de olhar para o mundo: dos pobres para os ricos. Durante 70 anos, as políticas de desenvolvimento procuraram melhorar os padrões de vida dos pobres em nome da justiça – com resultados mistos. Mas agora se trata de mudar o estilo de vida dos ricos. Caso contrário, não haverá uma perspectiva de justiça em um mundo limitado. Sem pôr limites à riqueza, não será possível pôr limites à pobreza.

 
Esperar contra toda esperança

 

Parece que é preciso reviver uma antiga virtude cristã, indispensável em vista das questões futuras: spes contra spem, esperar contra toda esperança. Na sua epístola aos Romanos, Paulo adotou esse lema em referência a Abraão, que ansiava por ter filhos e netos. Atualmente, o objetivo é criar um futuro adequado para os nossos netos e assegurar uma habitabilidade duradoura da Terra.

 

As expectativas se baseiam em previsões, que por sua vez se baseiam em probabilidades. Mas a história, em nível local e também global, absolutamente não segue caminhos lineares, mas é intercalada por muitos eventos não lineares. Os exemplos abundam: a queda do Muro de Berlim, a pandemia do coronavírus, o movimento “Fridays for Future”. Esses eventos têm um denominador comum: foram imprevisíveis e epocais.

 

Quem espera, antecipa as surpresas; a esperança se baseia sobretudo nos momentos não lineares, caóticos da história. É por isso que é necessário desenvolver uma ética que respeite as condições de incerteza. Nesse sentido, é bastante razoável que a ação ética prossiga dentro da própria comunidade sem se preocupar com o que ocorre em outras comunidades e regiões do mundo.

 

Não há outro modo de compreender a decisão do Papa Francisco quando recomendou a figura do Bom Samaritano como modelo para a ação social e civil na sociedade mundial. Diz o papa: “O amor social é uma ‘força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos’” (Fratelli tutti, n. 183). Portanto, ele é guiado pela esperança e certamente não pela probabilidade, optando por confiar nas inúmeras iniciativas que vão contra a corrente.

 

E o nosso vai para aquelas cooperativas de cidadãos que trabalham pelas energias renováveis, aquelas empresas que levam seriamente em consideração os direitos humanos nas suas cadeias de fornecimento, aqueles advogados que levam as causas ambientais aos tribunais ou aqueles fazendeiros que abriram mão das criações intensivas. Isso sem falar dos inúmeros conflitos, especialmente no Sul do mundo: protestos contra a construção de barragens, de minas, de plantações, em favor de uma agroecologia, de uma mobilidade sem automóveis, da multiplicidade de empresas sociais.

 

Tomada individualmente, cada iniciativa é fragmentária e efêmera, mas, tomadas em conjunto, podem produzir uma grande repercussão na sociedade, especialmente nos momentos de caos. O que dizia o eminente ativista tcheco pelos direitos humanos e presidente da República Tcheca, Václav Havel? “A esperança não é a convicção de que algo vai dar certo, mas sim a certeza de que esse algo faz sentido, independentemente de como acabe.” 

Por: Wolfang Sachs 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Retornando ao Jardim do Éden

 

A Bíblia narra uma história criada na tradição judaica e compartilhada pelos dois filhos da fé de Abraão: Cristianismo e Judaísmo. É a narrativa do primeiro pecado. Deus coloca Adão no centro de um jardim maravilhoso. Adão é um ser único, pois, como ensinam os especialistas na Torá, a humanidade inteira descende dele e isso institui a fraternidade universal. Somos filhos do mesmo Pai: ninguém é estrangeiro ou estranho neste planeta. Deus se apresenta nos capítulos iniciais da criação como dotado dos atributos da misericórdia e da justiça. A tradição interpretativa judaica (Midrash) identifica esses dois atributos como importantes: se o mundo for criado só com misericórdia, haverá muitos pecadores; se for criado exclusivamente com justiça, ninguém poderá subsistir. Assim, o mundo é elaborado com misericórdia e justiça. Em outras palavras: se Deus for muito compreensivo com sua criação, cada um fará o que bem entende e se distanciará do Criador; se for exclusivamente justo, ou seja, punir quem erra de acordo com a Lei, quem poderia sobreviver ao rigor do olhar divino? Assim, o mundo foi gerado com o atributo divino da misericórdia (Midat Harachamim) e com o da justiça (Midat Hadin).

É uma forma de equilíbrio ditado por Deus. A primeira norma surge antes da criação de Eva: não comer da árvore da vida. Liberdade absoluta: tudo poderia ser utilizado, menos o fruto da árvore do saber, do bem e do mal. A primeira regra da criação já veio com o primeiro código penal: “No dia em que comeres dela, morrerás” (Gênesis 2:17). Criar punição antes da infração indica que já se sabe da dificuldade na observação da regra. Quando estabeleço o que acontece com quem não obedecer, já reconheço que obedecer é uma opção e que é humano enfrentar a regra. É interessante imaginar que uma norma seduz para a possibilidade da infração. Diga-se a uma criança que pode brincar com TUDO naquele espaço MENOS com o brinquedo vermelho que está sobre a cadeira. Não é necessário ser um grande psicólogo ou pedagogo para imaginar que será exatamente o brinquedo proibido o alvo maior do interesse dela. O mais lógico é imaginar que, exatamente por causa da proibição, o brinquedo interditado será o único desejado, pois o interdito ganhou uma aura de interesse. Aquele brinquedo deve conter algo muito especial e todos os outros são monótonos. De alguma forma, o erro, o pecado, a infração, são criados pela norma que os institui. A gramática estabelece à medida que torna alguém mau usuário da norma culta. Quem escreve uma gramática está criando os incultos da língua. A regra é a mãe do infrator. Talvez isso explique que a justiça de Deus ande de mãos dadas com sua misericórdia. É uma percepção sábia, pois estabelece uma norma como meta e já prevê a inevitável infração. Seria tentador imaginar que a culpa do pecado esteja em Deus. Ele determinou algo que seria impossível de evitar, como é impossível à criança frear a vontade do brinquedo vermelho sobre a cadeira. Mais forte seria imaginar que a norma contém um secreto desejo de infração.

Na cabeça do legislador, estaria uma vontade de exaltar a regra e sua sabedoria, pois pela transgressão, ficariam evidentes a reta intenção e a justiça do autor da regra. O pecador faz a justiça de Deus brilhar, bem como torna necessária sua misericórdia. Há uma questão no primeiro pecado que é muito interessante. Deus diz que não se pode comer do fruto da Árvore da Vida. A maçã, como consagrou a tradição, era interditada ao paladar humano. Porém, quando a serpente tentou, insinuou o contrário; Eva argumentou que não poderia nem comer e “nem tocar no fruto” (Gênesis 3:3). Eva exagera a regra e a muda. Eva acrescenta mais interdição. O reforço imaginativo talvez evidencie o quanto de sedutor havia no não. A tentação é iniciada pela serpente, mais astuta do que qualquer animal. Parece que a inteligência é associada ao pecado. Posteriormente, essa serpente seria identificada com o demônio, mas isso é mais cristão do que judaico, pois o demônio tem maior autonomia e força no Cristianismo do que no Judaísmo. Inteligência permite ter consciência. A serpente a possui antes do episódio da queda. Consciência só existirá para Adão e Eva após o pecado. Como personagens, Adão e Eva são totalmente rasos e desinteressantes quando estão em plena comunhão com Deus. O casal só nota a nudez depois de ter comido a fruta e cria um traje de folhas de figo. Inteligência, consciência e, agora, moral: estava ocorrendo uma segunda criação do ser humano. Na primeira criação, surgira um ser sem doenças, perfeito e integrado ao Criador. A segunda criação é o surgimento do mundo como o conhecemos: infrator, culpado, com desvios incessantes. Deus criou Adão e Eva e, com o pecado, Adão e Eva nos criaram. De fato, somos descendentes do primeiro casal, mas os filhos só nasceram fora do Paraíso. Somos nós, melancólicos de uma ordem da qual só ouvimos falar: o mundo sem erro e sem pecados. O grande Maimônides havia advertido que o livre-arbítrio era respeitado por Deus (Os oito capítulos). Fomos criados com a capacidade de optar entre o Bem e o Mal. Eva disse para a serpente que sabia da norma. A serpente disse que ela não morreria, mas viveria eternamente. É uma pergunta colossal e um drama cósmico: por que escolhemos, conscientemente, o que sabemos ser errado? Talvez essa seja a pergunta mais importante de todas. Vai dos pequenos dramas cotidianos às questões cósmicas. Por que optamos pelo errado? Eva demonstra, imediatamente, a vontade do bem. Responde com a regra que ela sabe correta. Seduzida para agir mal, a primeira mãe responde bem. Eva é nosso modelo humano. Quase sempre não precisamos que alguém nos diga o certo. Agimos errado com consciência do erro. Sabemos o dano que causa a fritura. Temos clara profecia sobre o dia seguinte ao optar pela bebida em excesso. Sabemos que o dinheiro gasto daquele jeito fará falta. Eva enveredou por uma decisão crucial, como nós enveredamos diariamente pelos pequenos desastres. A resposta mais óbvia é que o erro nasce do prazer imediato que se antecipa. Engordar está no futuro e o brigadeiro sedutor e tenro está no presente. Poupança é árdua e o gasto imediato é uma maravilha. O dia está pela frente, frio, e a cama está quente e envolvente agora.

Errar seria abandonar a virtude do futuro pelo prazer presente. Errar seria colocar satisfação no aqui e agora e evitar o investimento de longo prazo. Errar seria apenas uma estratégia temporal? O bem X está no ponto mais próximo e palpável e o bem Y está longínquo; então… opto pelo X. Olhando tecnicamente, o erro seria apenas um equívoco temporal, ou um choque entre uma noção de dever de longo prazo contra um ganho imediato. Curiosamente, há um sentimento generalizado: as pessoas muito “certinhas”, aquelas que sempre apostam no adequado, que poupam, que comem alimentos corretos, que nunca se atrasam, que dormem nas horas exatas e na quantidade prescrita pela Organização Mundial de Saúde seriam… chatas. Há mais: seriam pouco aptas ao inovador, ao inesperado. Esses apóstolos da virtude seriam burocráticos e fadados ao fracasso no campo do empreendedorismo. A Bíblia foi escrita antes de o empreendedorismo virar a Teologia da nossa época. A Bíblia foi escrita antes do próprio capitalismo. O defeito da escolha de Adão e Eva é mais vasto. Não diz respeito a um prazer imediato e inovador, mas a uma cegueira. O primeiro casal desejou ser Criador, almejou elevar a criatura. Isso é, basicamente, idolatria. Em um sentido estrito, a idolatria é o culto de estátuas de deuses falsos. No sentido mais amplo, é a substituição do Criador pela criatura. Adão e Eva desejaram “ser como Deus”, a promessa que a serpente fez. O primeiro erro é uma forma de idolatria, dentro da qual está inserida a desobediência. Não era fome ou um prazer imediato. Não era o prazer juvenil da revolta. Era uma ambição de superioridade impossível de ser contemplada. O segundo erro é mais sutil. Adão e Eva comeram da árvore do conhecimento, cujo fruto pronto e maduro se apresentava. O conhecimento, na tradição judaica, é uma obrigação, um dever imposto aos homens.

Mas o conhecimento é fruto do esforço, do contínuo aperfeiçoamento, da luta pelo esclarecimento. Tomar o conhecimento pronto e maduro não é o verdadeiro conhecimento, mas apenas a vaidade de possuí-lo. Esse é o outro e fundamental erro: o atalho. Sem luta interna, sem uma guerra consigo (física e psíquica), o conhecimento é vazio. O saber nasce dessa luta e não do conhecimento em si. O caminho é o conhecimento. A luta por saber é o saber. Essa é outra lição do Gênesis. Nesse caso, não se trata de substituir o prazer no longo prazo pelo prazer imediato. Adão e Eva perderam o Paraíso não pelo gosto do fruto ou pelo prazer infrator. Não foi uma dúvida entre ter prazer agora ou cumprir uma ordem em longo prazo. Nossos pais primordiais desejaram o longo prazo irrealizável ao errarem. Eles comeram para ser como Deus, apostaram em uma falsa premissa. Sua busca pelo discernimento absoluto apenas trouxe à tona sua falta de capacidade para isso. Nesse caso, o pecado é um equívoco de outra forma de idolatria orgulhosa: julgar-se capaz de mais do que se pode. O pecado é um erro de avaliação. O pecado é filho da vaidade. Ficamos com um caso curioso. Ao desejarem conhecimento imediato e pronto, Adão e Eva demonstraram que não tinham conhecimento algum. A ignorância, em si, não é um erro, mas o orgulho dela e a permanência nela, sim. O episódio de Adão e Eva na Torá traz mais uma revelação. Já identificamos a justiça que pune e a misericórdia que ampara. O castigo pela desobediência é duro: expulsão do Paraíso. Adão teria de trabalhar com dificuldade e seu suor seria o custo da sua sobrevivência. Eva teve duplo castigo: parir filhos na dor e ser submissa ao marido. Faltam milênios para um pensamento feminista despontar na linha do horizonte. Dor, trabalho, perda do Paraíso: enormes punições pelo erro. Mas… logo após essas pragas sobre Adão e Eva e toda a humanidade, vem a misericórdia. Um versículo simples, isolado, que parece reverter todo o jogo até aqui (Gênesis 3:21). Deus fez túnicas de pele e vestiu homem e mulher. Foram expulsos de casa, mas com itens básicos de guarda-roupa. A justiça foi feita e a misericórdia, atendida. Começa a história humana. Principiamos com a queda. O pecado nos humanizou. O preço da humanização é alto. Fora do Paraíso, Adão e Eva geram filhos.

É interessante notar que nunca existiu uma família completa no Paraíso. Adão e Eva foram perfeitamente felizes sem filhos. Só foram férteis após o pecado. A dor da concepção faz parte do castigo da mulher. A ordem de crescer e multiplicar tinha sido dada, mas só será realizada no lado externo do Jardim das Delícias. Caim nasce aqui, neste mundo, no famoso Vale de Lágrimas. O agricultor Caim logo teria um irmão, o pastor Abel. Formou-se a primeira família humana. O primeiro homicídio nasce de uma disputa de afeto. Caim ofereceu um fruto da terra a Deus. Abel fez o mesmo com o primogênito do seu rebanho. A Bíblia não diz textualmente, mas a tradição judaica fala que Caim ofereceu produtos com descuido e Abel trouxe, de coração limpo, o melhor do rebanho. Em todo caso, Deus olhou para o sacrifício de Abel e não para o de Caim. O ressentimento instalou-se no coração do primeiro filho. Em uma época de comunicação mais livre entre Deus e os homens, o Altíssimo vê a tristeza de Caim e o questiona. Há uma pequena passagem muito significativa no capítulo 4 do Gênesis. Deus diz a Caim que o bem o faz andar de cabeça erguida e o mal faz o pecado espreitar à porta: “A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo” (Gênesis 4:7). Tu deves dominar teu desejo, é tradição mais corrente nas Bíblias, especialmente as cristãs. Se ficarmos mais fieis ao hebraico da Torá, o verbo não é dever, mas poder. No texto hebraico, não é ressaltado um dever exatamente, mas uma capacidade. É uma tradição forte na Bíblia: o mal espreita e o homem tem capacidade de agir bem e recusar o pecado. Se pecar, deve arrepender-se e Deus o perdoará. Se a tentação e a força do mal fossem maiores do que nossa capacidade, não seria pecado de fato, pois não haveria escolha nem liberdade. No Novo Testamento, na carta aos Romanos que abre a coleção de textos atribuídos a Paulo, há uma passagem que dialoga com essa tradição. O homem de Tarso diz que onde aumenta o pecado, a graça transborda (Romanos 5:20). Uma das possibilidades de interpretação dessa passagem é que sempre existe a fortaleza dada pelo Espírito para que cada um possa resistir aos erros. Não há tentação maior do que nossa vontade e, assim, todo pecado é uma escolha, muito clara, pelo Mal, escolha consciente e deliberada. O direito e o costume contemporâneos introduziram reflexões que, em alguns casos, justifica ou sociologiza o erro. Por causa de um desvio mental, por causa de sua origem social, em função de uma insanidade temporária ou um traço específico, o criminoso torna-se menos culpado ou até digno de uma absolvição. A tradição bíblica é distinta.

Por um lado, o erro é escolha de cada um, consciente e deliberada. Por outro lado, reconhecendo o erro e se arrependendo dele, o perdão pode existir. Todos são imputáveis na Bíblia, mas nem todos são perdoados. Caim matou o irmão e passou a errar pela Terra com um sinal colocado por Deus, para que não seja morto e vague pelo mundo. Reflita, estimado leitor: estamos falando da primeira família humana, aquela que mais próxima esteve de Deus e teve um começo tão feliz. Nessa família não existia sogro ou sogra, genro ou nora, nem avós distintos para separar as festas. Adão e Eva não tiveram infância. A primeira mãe ouviu o demônio, o primeiro pai a seguiu, o filho mais velho é assassino e o mais novo está morto. No próximo Natal ou na Festa de Hanucá, ao ver pequenos problemas domésticos, alguma ironia velada ou chantagem emocional, seja um pouco mais generoso com a mesa familiar. Se os filhos não se entenderem, se houver intrigas entre cunhados, se o marido ou a mulher estiverem de mau humor, reflitam: estamos melhor do que Adão e Eva…

quarta-feira, 22 de junho de 2022

MODELOS DE GESTÃO ORGANIZACIONAL ULTRAPASSADOS

Um dos desenhos animados mais populares da história da humanidade foi Os Jetsons – que fascinava a audiência com um mágico exercício de futurologia –, produzido pelo lendário estúdio Hanna-Barbera, responsável por obras-primas, como Os Flintstones, Tom e Jerry, dentre tantas outras animações que marcaram a vida de milhões de brasileiros. Em Orbit City, George Jetson lidera uma divertida família típica norteamericana com a esposa Jane, dois filhos, Elroy e Judy, um simpático cão, Astor, e uma empregada doméstica robô, Rosie, que cuida da limpeza do lar com uma infinidade de quinquilharias e ferramentas acionadas automaticamente por diversos botões. A série foi lançada na década de 1960, porém só nos anos 1980 adquiriu imensa popularidade entre as famílias brasileiras que se encantavam, debruçadas em seus televisores, com carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, robôs realizando atividades de seres humanos e toda a sorte de aparelhos eletrodomésticos e de entretenimento autônomos.

Ao longo de mais de cinquenta anos, essa realidade fez parte de um imaginário distante, inacessível. Nos últimos anos, entretanto, o que era uma abstração tem se tornado, a passos cada vez mais largos, uma realidade onipresente. As transformações pelas quais passa a sociedade são tão velozes que os indivíduos não conseguem perceber racionalmente o processo de mudança. Seus impactos, no entanto, são e serão mais sentidos do que nunca, e, como resultado, emergem discussões e reflexões profundas sobre o futuro da humanidade. Qual será o futuro do trabalho com a automatização crescente? Os robôs irão substituir o ser humano? Qual é o limite da tecnologia e como ela impactará a sociedade?

O que era uma verdade apenas para a família Jetsons transformou-se em uma realidade inequívoca que dá novas cores à sociedade. Existe um conceito no campo da Física intitulado “ponto de bifurcação”. Simplificando uma definição complexa, um ponto de bifurcação representa uma mudança dramática e súbita na trajetória de um sistema que estava em equilíbrio. Nesse momento, ele pode se decompor ou imergir em novos estados. A complexidade desse movimento é tão grande que nunca é possível predizer o caminho que o sistema vai seguir e suas características. Tomando emprestada a definição do conceito físico para a realidade atual, a sociedade está diante de um ponto de bifurcação histórico. Coabitam o novo, representado pelas recentes tecnologias, inovações e rupturas, e o clássico, o tradicional, forjado ao longo de séculos de convivência e de desenvolvimento humano.

A nova era é conhecida como 4ª Revolução Industrial, a mais abrangente, profunda e ampla da história. Em um mesmo momento da humanidade, há confluências de forças tecnológicas que, por si sós, já teriam o potencial de transformar o planeta. Atuando de forma síncrona e em sinergia, no entanto, têm uma energia avassaladora. Essa revolução é poderosa, pois não transforma apenas as coisas. Ela está modificando a forma como indivíduos vivem, trabalham e se relacionam uns com os outros. Está alterando a vida tal como nos habituamos e conhecemos.

 Hoje, fazem parte do vocabulário corrente da população termos e conceitos – que estão mais presentes do que nunca e vieram para ficar –, como inteligência artificial, big data, internet das coisas, robótica, algoritmos, plataformas digitais, dentre tantos outros que até pouco tempo atrás estavam circunscritos a terminologia típica de cientistas e nerds. O mundo corporativo, com líderes encasulados em seus confortáveis e seguros gabinetes, não passa incólume a essa transformação. A arrogância proveniente de quem sabe de tudo e traz em seu repertório a certeza das verdades absolutas constrói uma barreira quase intransponível para a invasão do novo, e convicções muito arraigadas têm um efeito perverso que favorece a manutenção do status quo. O discurso pode ser modernoso, porém além da fala existe a prática.

Essa é a autêntica hora da verdade. É nesse universo que se proliferam modelos de gestão provenientes do período da 1ª Revolução Industrial, como os organogramas (representação gráfica utilizada, em larga escala, para as empresas mostrarem como estão dispostas suas unidades funcionais e hierarquia. Registros históricos apontam que o organograma foi criado em 1856). Faltam adjetivos para descrever quão bizarra é a constatação de que a maior parte das organizações do mundo utiliza, de forma central em seus negócios, uma ferramenta estratégica que foi desenvolvida há mais de 150 anos! O cenário, porém, é mais crítico ainda. O processo de transformação só acontece por intermédio das pessoas, sendo a educação um dos seus vetores mais relevantes. Para que o movimento se consubstancie na prática, é requerido que os indivíduos entendam a dinâmica das mudanças, que sejam educados conforme essa nova realidade. Como nossos mecanismos formais de educação e seus agentes estão lidando com esse novo mundo? A resposta para essa provocação é fácil: da mesma forma que estavam lidando em 1800, ou há mais de duzentos anos.

Não existe uma referência histórica definitiva, porém está claro que o modelo atual de educação com o formato da sala de aula e do professor consolidou-se na Revolução Francesa. Mais uma bizarrice contemporânea: nossos modelos formais de educação remontam a uma realidade de mais de duzentos anos e, se confrontados à luz de todos os avanços tecnológicos e sociais, tornam-se uma ficção tal qual eram os robôs dos Jetsons ou, para nos mantermos no campo das animações míticas, pré-históricos como os dinossauros dos Flintstones.

E os líderes atuais? Como têm se comportado perante um mundo em ebulição cuja natureza das relações obedece a uma nova ordem? A resposta, como não poderia ser diferente, não foge muito das provocações anteriores. Foi na primeira metade do século XX que Henri Fayol definiu alguns parâmetros críticos numa das primeiras incursões da chamada administração científica. Foram agregados conceitos, como autoridade, unidade de comando, hierarquia estrita, prioridade da organização em relação ao indivíduo, unidade de direção, dentre outros direcionamentos para o negócio que norteariam, a partir daquele ponto, a posição do líder no relacionamento com seus subordinados.

Não é necessária nenhuma pesquisa em profundidade para concluir que muitos dos executivos atuais continuam rezando na cartilha de Fayol que refletia uma sociedade de cem anos atrás. Pretensos líderes vão mais longe ainda: atuam como feitores do regime escravocrata, pautando seus atos e comportamentos pelo mais vil e ultrapassado autoritarismo. O mundo corporativo ainda está muito aferrado ao passado. É chegada a hora da mudança. É o momento definitivo da busca por novas referências para lidar com um novo mundo. Algumas organizações e líderes já se deram conta dessa demanda e se adaptaram rapidamente ao ambiente. Setores inteiros estão sendo disruptados (outra palavra nova que estará, cada vez mais, no centro das atenções) por empresas que começaram sua jornada por meio do voluntarismo de jovens impetuosos que, libertos das amarras do passado, se abriram ao novo e fizeram uma leitura adequada das transformações.

Organizações seculares perdem relevância e são subjugadas à segunda divisão do mundo empresarial, tornando seus negócios obsoletos, ultrapassados. A boa notícia é que tudo está em aberto. Tal qual um jogo de videogame, as organizações estão começando uma nova jornada do zero e devem se esmerar para “passar de fase” e considerar que tudo o que fizeram serve como repertório e experiência, porém não como chave para a prosperidade. Muito se fala das características do ambiente apresentado, do potencial das novas tecnologias, da magia existente por trás disso tudo. É necessário, porém, sair do campo da ficção, da animação dos Jetsons e partir para a prática.

Como as organizações e seus líderes devem se comportar para superar os desafios e, sobretudo, aproveitar as imensas oportunidades advindas desse admirável mundo novo? Para prever as possibilidades do futuro, é necessário entender a essência do passado, dos fundamentos, das raízes da nossa origem. A primeira etapa dessa jornada se dedica a construir uma visão sobre a história do mundo do management. Mais do que uma linha do tempo, o objetivo é mostrar como as principais transformações do ambiente corporativo foram provenientes de mudanças sociais que são as catapultas de qualquer processo de evolução empresarial.

Uma organização é uma entidade social e é nesse ambiente que ela milita e realiza seu processo de troca com a sociedade. Para ter referências, indícios, dicas sobre o que está por vir, é preciso entender, em profundidade, a origem de tudo. A transformação no ambiente empresarial vai demandar novos modelos de gestão, novos processos de aprendizagem e novos líderes. Não existe outro momento mais vibrante na história recente da humanidade. Um ambiente repleto de desafios reserva oportunidades até então não mapeadas. O mundo está em aberto. A vida está em aberto. Não há tempo a perder. É necessário arregaçar as mangas e fazer acontecer.


 

HÁBITOS – UM MECANISMO NEURAL E PSICOLÓGICO COMPLEXO E DIFÍCIL DE MUDAR

HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR by Heitor Jorge Lau             É uma verdade quase inquestionável que, em algum moment...