segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

SABER OU NÃO SABER: EIS A QUESTÃO - DEIXA ASSIM, MELHOR NÃO SABER

 

        “É natural no ser humano o desejo de conhecer. ” Esta sentença inicial da Metafísica de Aristóteles parece um grosso exagero. Afinal, por toda parte onde se olha — seja na escola, em família, nas ruas, em clubes ou igrejas — sempre irão existir pessoas que não querem conhecer coisíssima alguma, que estão perfeitamente satisfeitas com as suas ideias toscas sobre todos os assuntos, e que se julga um acinte a mera sugestão de que se soubessem um pouco mais a respeito suas opiniões seriam melhores.  É preciso viajar um bocado pelo mundo para se dar conta de que Aristóteles se referia à natureza humana e não à cabeça (somente) dos brasileiros. De fato, o traço mais conspícuo da mente dos compatriotas é o desprezo soberano pelo conhecimento, acompanhado de um neurótico temor reverencial aos seus símbolos exteriores: diplomas, cargos, espaço na mídia.

        Observava-se essa característica em todas as classes sociais, e até mais pronunciada nas ricas e prósperas. Qualquer ignorante que receba em herança do pai uma fábrica, uma empresa de mídia, um bloco de ações da Bolsa de Valores, julga-se por isso um Albert Einstein misto de Moisés e Lao-Tsé, nascido pronto e habilitado instantaneamente a pontificar sobre todas as questões humanas e divinas sem a menor necessidade de estudo. Se houvesse lido alguma coisa, mínima que fosse, no último número de alguma revista de economia, então, ninguém segurava o bicho: suas certezas erguiam-se até as nuvens, imóveis e sólidas como estátuas de bronze — sempre acompanhadas, é claro, das advertências céticas de praxe quanto às certezas em geral, sem que a criatura notasse nisso a menor contradição.

        Caso faltassem os semanários sabe-se lá quais, um editorial de qualquer coisa supria a lacuna, fundamentando verdades inabaláveis que só um pedante viciado em estudos ousaria contestar.  Dessas mentes brilhantes é possível aprender lições inesquecíveis: o comunismo acabou,  esquerda e direita não existem, Lula é um neoliberal, a Amazônia é o pulmão do  mundo, o Brasil é um “modelo” de democracia, a Revolução Francesa instaurou o  reino da liberdade, a Inquisição queimou cem milhões de hereges, as armas são  a causa eficiente dos crimes, o aquecimento global é um fato indiscutível, o narcotráfico é produzido pela falta de  dinheiro, as baleias são hienas evoluídas e o Foro de São Paulo é um clube de  velhinhos sem qualquer poder. Aliás, qualquer um que lhes desse ouvido, hoje seria reitor da Escola Superior de Guerra ou talvez senador da República. Aristóteles tinha razão: o desejo de conhecer é inato. O Brasil é que falha em desenvolver nos seus filhos a consciência da natureza humana, preferindo substituí-la por um arremedo grotesco de sabedoria infusa. 

DEMOCRACIA - O MELHOR REGIME OU O MENOS PIOR

 

        Mais democracia não é o remédio para os males da democracia; é o começo da ditadura.  Com tanta frequência e de boca tão cheia os tolos e os espertalhões falam de “democracia social”, de “democracia cultural”, que acabamos esquecendo que o uso da palavra “democracia” fora do estrito domínio político-jurídico é apenas uma figura de linguagem — a qual, tomada ao pé da letra, resulta em completo nonsense.  Democracia é o nome de um regime político definido pela vigência de certos direitos. Como tal, o termo só se aplica ao Estado, nunca ao cidadão, à sociedade civil ou ao sistema econômico, pois em todos os casos o guardião desses direitos é o Estado e somente ele. Só o Estado pratica — ou viola — a democracia. A sociedade civil vive nela e se beneficia de seus direitos, mas nada pode fazer a favor ou contra, exceto através do Estado.

        O homem que oprime seu vizinho não atenta contra “a democracia”, mas apenas contra um direito individual, o qual existe só porque o oprimido e o opressor são ambos cidadãos de um Estado democrático: democracia é o pressuposto estatal desse direito, não o exercício dele pelo sr. fulano ou beltrano. Se o mesmo direito não existisse, isto é, se o Estado não o reconhecesse, não é o opressor individual que seria antidemocrático, mas sim o Estado. Quando se diz que um cidadão “pratica a democracia” porque respeita tais ou quais direitos, o uso da palavra é rigorosamente metonímico: democrática não é a ação individual em si, mas sim o quadro jurídico e político que a autoriza ou determina.  Do mesmo modo, se uma empresa decide nivelar as diferenças de salários entre seus empregados de funções idênticas, não está “praticando a democracia”, mas apenas pondo em prática um direito que existe porque o Estado democrático o assegura. E se fizer o mesmo fora de um Estado democrático, nem por isto estará implantando uma democracia, pela simples razão de que age por iniciativa isolada, incapaz, por si, de estatuir direitos.

        Democrático ou antidemocrático é o Estado e somente o Estado; os cidadãos e os grupos sociais são apenas obedientes ou desobedientes à ordem democrática. A democracia é nada mais que a ordem política e jurídica na qual certos atos são possíveis — e dizer que estes atos são “democráticos” é tomar o condicionado pela condição que o possibilita: é metonímia.  Mas o erro em que incorre quem toma literalmente a sério expressões como “democracia econômica” ou “democracia social” vai muito mais fundo do que um mero deslize semântico. Pois a transposição da ideia democrática para outros campos além do político-jurídico, em vez de estender a esses domínios os benefícios que a democracia assegura no seu domínio próprio, resulta apenas em ampliar o domínio político-jurídico: tudo se torna objeto de lei, tudo fica ao alcance da mão da autoridade. Mas a democracia, por essência, consiste justamente em limitar o raio de ação do governante: estendê-la é destruí-la.

        Daí que a vitória mundial da ideia democrática traga, consigo, a tentação suicida de tudo democratizar, que no fim das contas é tudo politizar, dando àquele que tem o poder político um poder ilimitado sobre todos os outros domínios e esferas da vida. O remédio para os males da democracia não está em mais democracia: está  em reconhecer que a democracia não é o remédio de todos os males. 

HÁBITOS – UM MECANISMO NEURAL E PSICOLÓGICO COMPLEXO E DIFÍCIL DE MUDAR

HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR by Heitor Jorge Lau             É uma verdade quase inquestionável que, em algum moment...