“É natural no ser humano o desejo de conhecer. ” Esta sentença inicial da Metafísica de Aristóteles parece um grosso exagero. Afinal, por toda parte onde se olha — seja na escola, em família, nas ruas, em clubes ou igrejas — sempre irão existir pessoas que não querem conhecer coisíssima alguma, que estão perfeitamente satisfeitas com as suas ideias toscas sobre todos os assuntos, e que se julga um acinte a mera sugestão de que se soubessem um pouco mais a respeito suas opiniões seriam melhores. É preciso viajar um bocado pelo mundo para se dar conta de que Aristóteles se referia à natureza humana e não à cabeça (somente) dos brasileiros. De fato, o traço mais conspícuo da mente dos compatriotas é o desprezo soberano pelo conhecimento, acompanhado de um neurótico temor reverencial aos seus símbolos exteriores: diplomas, cargos, espaço na mídia.
Observava-se essa característica em todas as classes sociais, e até mais pronunciada nas ricas e prósperas. Qualquer ignorante que receba em herança do pai uma fábrica, uma empresa de mídia, um bloco de ações da Bolsa de Valores, julga-se por isso um Albert Einstein misto de Moisés e Lao-Tsé, nascido pronto e habilitado instantaneamente a pontificar sobre todas as questões humanas e divinas sem a menor necessidade de estudo. Se houvesse lido alguma coisa, mínima que fosse, no último número de alguma revista de economia, então, ninguém segurava o bicho: suas certezas erguiam-se até as nuvens, imóveis e sólidas como estátuas de bronze — sempre acompanhadas, é claro, das advertências céticas de praxe quanto às certezas em geral, sem que a criatura notasse nisso a menor contradição.
Caso faltassem os semanários sabe-se lá quais, um editorial de qualquer coisa supria a lacuna, fundamentando verdades inabaláveis que só um pedante viciado em estudos ousaria contestar. Dessas mentes brilhantes é possível aprender lições inesquecíveis: o comunismo acabou, esquerda e direita não existem, Lula é um neoliberal, a Amazônia é o pulmão do mundo, o Brasil é um “modelo” de democracia, a Revolução Francesa instaurou o reino da liberdade, a Inquisição queimou cem milhões de hereges, as armas são a causa eficiente dos crimes, o aquecimento global é um fato indiscutível, o narcotráfico é produzido pela falta de dinheiro, as baleias são hienas evoluídas e o Foro de São Paulo é um clube de velhinhos sem qualquer poder. Aliás, qualquer um que lhes desse ouvido, hoje seria reitor da Escola Superior de Guerra ou talvez senador da República. Aristóteles tinha razão: o desejo de conhecer é inato. O Brasil é que falha em desenvolver nos seus filhos a consciência da natureza humana, preferindo substituí-la por um arremedo grotesco de sabedoria infusa.