quinta-feira, 31 de julho de 2025

A SUBJETIVIDADE CONSTANTE NAS CONSTRUÇÕES MENTAIS DO SER HUMANO

 

A SUBJETIVIDADE DA MENTE HUMANA

By Heitor Jorge Lau

            A experiência humana, em sua essência mais profunda, é uma tapeçaria intrincada tecida com os fios da subjetividade. Mesmo em momentos de aparente consenso, onde indivíduos parecem convergir em pensamentos e crenças, a realidade subjacente revela um panorama muito mais complexo e multifacetado. A premissa de que a vida é, em sua quase totalidade, subjetiva, com cada indivíduo possuindo sua história única e os consequentes reflexos cognitivos, encontra eco em diversas disciplinas científicas, desde a neurociência e a psicologia até a filosofia da mente e a sociologia. A concordância aparente, então, não é uma fusão de mentes idênticas, mas sim uma sobreposição de interpretações individuais que, embora se alinhem em seus resultados observáveis, divergem em suas nuances mais íntimas e profundas.

            Para compreender essa afirmação, é fundamental mergulhar na natureza da percepção. Nossas interações com o mundo exterior não são um espelhamento direto da realidade, mas sim uma construção ativa e interpretativa do cérebro. Os órgãos sensoriais – olhos, ouvidos, tato, olfato, paladar – captam estímulos, que são processados e filtrados por intrincadas redes neurais. A teoria da percepção construtivista, por exemplo, postula que percebemos o mundo não como ele é, mas como o construímos a partir de nossas experiências passadas, expectativas, emoções e estados internos. Um exemplo clássico é a ilusão de Müller-Lyer, onde duas linhas de igual comprimento parecem ter tamanhos diferentes devido à orientação de setas em suas extremidades. Apesar de sabermos objetivamente que as linhas são do mesmo comprimento, nossa percepção visual é enganada, demonstrando a influência de fatores contextuais na nossa interpretação sensorial.

            A subjetividade se aprofunda ainda mais quando consideramos a memória. Longe de ser um arquivo estático de eventos, a memória é um processo dinâmico e reconstrutivo. Cada vez que recordamos um evento, ele é remodelado e reinterpretado à luz de nossas experiências presentes e do nosso estado emocional atual. A pesquisa de Elizabeth Loftus, uma renomada psicóloga cognitiva, demonstrou repetidamente a maleabilidade da memória, mostrando como sugestões externas podem distorcer ou mesmo criar falsas memórias. Isso significa que duas pessoas que testemunharam o mesmo evento podem ter memórias distintas desse evento, não por má-fé, mas porque seus cérebros reconstruíram a experiência de maneiras ligeiramente diferentes, incorporando elementos de sua própria subjetividade. A influência do viés de confirmação, a tendência de buscar e interpretar informações de forma a confirmar crenças preexistentes, também molda nossa memória e percepção, reforçando a individualidade de cada narrativa mental.

            Além da percepção e da memória, a cognição - o conjunto de processos mentais que incluem pensamento, raciocínio, resolução de problemas e tomada de decisões - é intrinsecamente subjetiva. A forma como cada indivíduo processa informações, formula argumentos e chega a conclusões é profundamente influenciada por sua estrutura de esquemas cognitivos, que são redes de informações interconectadas que representam nossos conhecimentos e experiências sobre o mundo. Esses esquemas são desenvolvidos ao longo da vida e são únicos para cada um. Por exemplo, a compreensão de um conceito abstrato como "justiça" pode variar drasticamente entre indivíduos, dependendo de suas experiências de vida, valores culturais e sociais. Para uma pessoa, justiça pode significar igualdade de oportunidades; para outra, pode ser uma questão de retribuição. Embora ambos possam concordar que a justiça é importante, o conteúdo e o peso de sua compreensão são fundamentalmente diferentes.

            A linguagem, que é o principal veículo de comunicação de nossos pensamentos, também serve como um lembrete da subjetividade. As palavras carregam significados que são moldados não apenas por suas definições denotativas, mas também por suas conotações e pelas experiências individuais associadas a elas. A palavra "casa", por exemplo, pode evocar diferentes sentimentos e imagens para pessoas distintas: para uma, pode ser um refúgio seguro e acolhedor; para outra, um lugar de conflito e mágoa. Embora ambas entendam o significado literal da palavra, a ressonância emocional e as associações pessoais são singulares. Isso é especialmente evidente em campos como a literatura e a arte, onde a interpretação de uma obra é inerentemente subjetiva, refletindo a bagagem cultural e pessoal de cada espectador. Um poema de Fernando Pessoa, com suas múltiplas heterônimos e camadas de significado, é um testemunho da impossibilidade de uma única e correta interpretação. Cada leitor, com sua própria história e cognição, constrói uma versão única da obra em sua mente.

            A neurociência moderna, com seus avanços nas técnicas de imagem cerebral como a ressonância magnética funcional (fMRI), oferece insights sobre a base biológica dessa subjetividade. Embora os cérebros humanos compartilhem uma arquitetura básica, as conexões neurais e a ativação de diferentes regiões cerebrais são únicas para cada indivíduo, moldadas por suas experiências e aprendizado. A plasticidade neural, a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões ao longo da vida, garante que cada cérebro seja um registro vivo de sua própria jornada. Quando duas pessoas concordam sobre algo, as áreas cerebrais ativadas em seus respectivos cérebros podem ser similares em termos de função, mas os padrões de atividade neural em microescala e as redes de associação ativadas são distintamente individuais. É como se dois pianos, embora capazes de tocar a mesma melodia, tivessem nuances tonais e ressonâncias ligeiramente diferentes devido à sua construção e história de uso.

            A influência do contexto cultural e social é outro pilar fundamental para entender a subjetividade. Nascemos e crescemos em ambientes sociais que moldam profundamente nossas perspectivas, valores e crenças. A sociologia do conhecimento, por exemplo, explora como o conhecimento é construído socialmente e como as estruturas sociais influenciam o que consideramos verdadeiro ou real. As normas sociais, tradições, ideologias políticas e religiosas – todos esses elementos contribuem para a formação de uma realidade compartilhada dentro de um grupo, mas que ainda é interpretada e internalizada de forma individual. Um conceito como "liberdade", por exemplo, pode ser compreendido de maneiras radicalmente diferentes em culturas ocidentais individualistas versus culturas coletivistas orientais. Embora em uma discussão global se possa alcançar um consenso superficial sobre a importância da liberdade, a sua manifestação prática e o seu significado profundo continuarão a ser coloridos pelas lentes culturais e pessoais de cada indivíduo.

            A introspecção, a capacidade de examinar nossos próprios pensamentos e sentimentos, é a prova mais direta da natureza subjetiva da consciência. Embora possamos comunicar nossas experiências internas, elas são, por sua própria natureza, inacessíveis diretamente aos outros. Ninguém pode sentir a dor de outra pessoa ou experimentar sua alegria exatamente da mesma forma. O famoso experimento mental do Qualia na filosofia da mente ilustra isso. Qualia (singular: quale) são as qualidades subjetivas e fenomenais da experiência, como a vermelhidão do vermelho ou o sabor do café. Embora possamos descrever essas sensações, a experiência subjetiva delas é privada e pessoal. Mesmo que duas pessoas olhem para o mesmo objeto vermelho e digam que veem "vermelho", a qualidade interna da sua experiência sensorial permanece impenetrável uma para a outra. O que é o "vermelho" para você pode ser intrinsecamente diferente do "vermelho" para mim, mesmo que cheguemos a um acordo sobre o nome da cor.

            Consideremos, por exemplo, a experiência de assistir a um filme. Duas pessoas podem sair do cinema concordando que o filme foi bom. No entanto, a base para essa avaliação pode ser inteiramente subjetiva. Para uma, a beleza residia na profundidade dos personagens e na complexidade do enredo; para outra, a satisfação pode ter vindo da cinematografia deslumbrante e da trilha sonora emocionante. Embora o veredicto seja o mesmo – "o filme é bom" –, as razões subjacentes, emoções evocadas e as interpretações de cenas específicas divergem fundamentalmente. O mesmo se aplica a opiniões sobre política, moralidade ou arte. Dois indivíduos podem concordar que "a igualdade é importante", mas um pode focar na igualdade de resultados, enquanto o outro na igualdade de oportunidades. A concordância superficial esconde um universo de interpretações e prioridades distintas.

            Enfim, a teoria de que a vida é quase inteiramente subjetiva é robustamente apoiada por evidências de múltiplos campos científicos. A percepção é construída, a memória é reconstrutiva, a cognição é moldada por esquemas individuais, a linguagem carrega significados pessoais, a neurobiologia é plástica e única, e o contexto cultural define quadros interpretativos. Mesmo quando alcançamos a concordância, essa harmonização é mais uma intersecção de esferas individuais do que uma fusão completa. Cada indivíduo é um universo de experiências, memórias e processos cognitivos que se refratam de forma singular no espelho da realidade. Reconhecer essa subjetividade intrínseca não diminui a capacidade de cooperação ou entendimento mútuo, mas sim a enriquece, convidando-nos a uma maior empatia e a uma compreensão mais profunda da complexidade da experiência humana. Aceitar que as coisas que pensamos são, em sua essência, diferentes, mesmo quando parecemos concordar, abre caminho para uma apreciação mais nuançada da diversidade de mentes e para um diálogo mais significativo, fundamentado não na ilusão da identidade, mas na riqueza da distinção.


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