domingo, 8 de junho de 2025

A COMUNICAÇÃO DESENCONTRADA DO SER HUMANO NA ATULAIDADE


 

A Torre de Babel e a babel contemporânea: reflexões sobre a comunicação humana

 

            A antiga narrativa bíblica da Torre de Babel, encontrada no livro de Gênesis, sempre ressoou como um eco atemporal sobre as aspirações e as fragilidades humanas. Nela, a humanidade, unida por uma língua e um propósito comum, decide construir uma torre que alcance os céus, um monumento à sua própria glória e um meio de evitar a dispersão. A resposta divina a essa ambição, no entanto, é a confusão das línguas e a subsequente dispersão dos povos, um ato que, de um desejo de união, gerou fragmentação e incompreensão. Essa poderosa alegoria não é apenas um conto de advertência sobre a soberba, mas uma lente através da qual podemos examinar a complexidade do comportamento humano na contemporaneidade, especialmente no que tange à comunicação e à busca por significado.

            Na era digital em que vivemos, somos testemunhas de uma nova e paradoxal Babel. As ferramentas de comunicação nunca foram tão abundantes e acessíveis. Redes sociais, plataformas de mensagens instantâneas, blogs, vídeos e podcasts proliferam, criando uma teia global de interconexão duvidosa. Em teoria, deveríamos estar mais unidos e compreensivos do que nunca, com a capacidade de transcender barreiras geográficas e culturais. No entanto, o que observamos é, em muitos aspectos, o oposto. A multiplicidade de vozes, a velocidade com que a informação (muito fake) se propaga e a ausência de um "idioma" comum de entendimento parecem ter gerado uma cacofonia em vez de uma harmonia.

            A analogia com a Torre de Babel se torna ainda mais pungente quando consideramos a fragmentação de narrativas. Assim como na história bíblica, onde cada grupo passou a falar uma língua diferente, hoje presenciamos a formação de "tribos digitais", comunidades que se auto-confinam em bolhas de informação, consumindo conteúdo que apenas reforça suas próprias crenças e visões de mundo. Os algoritmos das redes sociais, desenhados para nos manter engajados, frequentemente nos isolam em câmaras de eco, onde a diversidade de pensamento é sufocada e a oportunidade de diálogo genuíno se esvai. O resultado é uma babel de dialetos ideológicos, onde as palavras, embora tecnicamente compreendidas, não carregam o mesmo peso ou significado para todos. O que para um grupo é verdade inquestionável, para outro é falsidade absurda.

            Além disso, a superabundância de informação pode ser vista como um fator que contribui para essa confusão. Na Babel original, a diversidade de línguas impedia a colaboração. Na contemporaneidade, a avalanche de dados, muitas vezes sem curadoria ou contexto, torna-se um ruído que dificulta a distinção entre o relevante e o irrelevante, o verdadeiro e o falso. A capacidade de discernir e de construir conhecimento significativo é sobrecarregada, e nos vemos perdidos em um mar de informações, incapazes de construir uma base comum de entendimento. Essa "infoxicação" nos deixa tontos e desorientados, incapazes de nos concentrar em qualquer coisa por tempo suficiente para realmente compreendê-la.

            A busca por significado e reconhecimento também ecoa na história da torre. Os construtores de Babel queriam um nome, um legado. Hoje, a cultura da imagem e da performance nas redes sociais impulsiona a construir nossas próprias "torres virtuais" de ego e visibilidade. A busca incessante por likes, compartilhamentos e seguidores pode ser vista como a tentativa de alcançar um tipo de imortalidade ou validação, de construir um monumento a nós mesmos. No entanto, essa busca frequentemente nos leva a uma superficialidade nas interações e a uma dificuldade em formar laços profundos e autênticos. A linguagem da autopromoção e da idealização do "eu" se torna um dialeto dominante, dificultando a expressão da vulnerabilidade e da verdadeira conexão humana.

            A grande questão que a analogia da Torre de Babel nos impõe hoje é: como podemos reconstruir uma linguagem comum de entendimento? Não se trata de impor uma única língua ou narrativa, mas de cultivar a escuta ativa e a empatia. Assim como na narrativa, onde a falta de compreensão levou à dispersão, a falta de escuta e a recusa em considerar perspectivas diferentes nos separam em um mundo cada vez mais interconectado. Precisamos desenvolver a capacidade de traduzir, não apenas entre idiomas, mas entre experiências de vida, visões de mundo e sistemas de valores. Isso exige paciência, humildade e um compromisso genuíno com o diálogo, mesmo quando ele é difícil ou desconfortável.

            Talvez a solução não esteja em construir uma nova torre que nos una sob um único propósito, mas em aprender a habitar a diversidade, a valorizá-la e a encontrar pontos de conexão em meio à multiplicidade. A lição da Torre de Babel não é que a união é perigosa, mas que a união baseada na arrogância (ou do transcendente, para além de nós mesmos) leva à sua própria desintegração. Em nossa Babel contemporânea, o desafio é encontrar a humildade para reconhecer nossas limitações, a sabedoria para escutar e a coragem para construir pontes, não torres. Somente assim poderemos transformar a cacofonia em um coro, e a dispersão em uma comunidade verdadeiramente interligada.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

HÁBITOS – UM MECANISMO NEURAL E PSICOLÓGICO COMPLEXO E DIFÍCIL DE MUDAR

HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR by Heitor Jorge Lau             É uma verdade quase inquestionável que, em algum moment...