A EVOLUÇÃO DA MENTE EM DESCOMPASSO COM A EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA
By Heitor Jorge Lau
Diante da trajetória intrincada e tumultuosa da história humana, onde o tenro tecido do progresso e da barbárie se entrelaçam de forma indissolúvel, emerge uma questão central que tem atormentado filósofos, pensadores e a humanidade (pelo menos daqueles que pensam): pode o homem, em sua incessante jornada evolutiva, ascender a um patamar de consciência e responsabilidade que o liberte dos grilhões de seus próprios pensamentos e de suas consequentes ações? E, mais ambiciosamente, pode ele, por livre e espontânea vontade, transpor os abismos da guerra e obliterar as gritantes diferenças sociais e econômicas que há milênios corroem o tecido da civilização? As pessoas que me conhecem me chamam de pessimista por não acreditar na mínima possibilidade. Outros criam um estereótipo de pessoa desiludida. Uma minoria apela para a religiosidade e me chamam de homem sem fé. Muito bem, uma vez que qualquer destas qualificações não passa de mera opinião pessoal, vamos em frente. Na verdade, sou cético. Aliás, uma qualidade que considero essencial para uma evolução mental sadia.
A evolução histórica da humanidade, em sua essência, não passa de uma narrativa de um ser em constante devir. De nômades caçadores-coletores a construtores de impérios e exploradores do cosmos, a humanidade demonstrou uma capacidade ímpar de adaptação, inovação e transformação. No entanto, essa trajetória gloriosa é frequentemente maculada por episódios de violência, opressão e desigualdade. As guerras, em suas múltiplas formas e pretextos, pontuam os anais da história como testemunhas sombrias da persistência de impulsos destrutivos. As disparidades sociais e econômicas, por sua vez, cristalizam-se em estruturas que perpetuam a injustiça e a privação para milhões, enquanto outros desfrutam de riquezas imensuráveis.
A questão central reside na natureza da consciência e da vontade. Seria a consciência humana um mero epifenômeno da matéria, um produto complexo de processos neurológicos que nos ilude com a sensação de autonomia? Ou, ao contrário, ela encerra um potencial inexplorado para a autotranscedência, para uma compreensão mais profunda de si mesmo e do seu lugar no universo? A responsabilidade, por sua vez, não é um dado inato, mas uma construção moral que se desenvolve na interação com o outro e com o mundo. Se a consciência é o farol que ilumina o caminho, a responsabilidade é o leme que guia a embarcação.
A história nos oferece um paradoxo. Por um lado, testemunhamos a emergência de pensadores que advogam a paz, a justiça e a solidariedade como pilares de uma sociedade ideal. A difusão de ideias iluministas, os movimentos por direitos civis e a crescente conscientização sobre questões ambientais são indicativos de uma aspiração humana por um mundo melhor. A capacidade de reflexão crítica, de empatia e de compaixão sugere que o homem não está irremediavelmente fadado à reiteração de seus erros. A própria existência de debates sobre ética, moral e justiça demonstra um anseio inato por um propósito maior do que a mera satisfação de instintos primários.
Por outro lado, a persistência de conflitos armados, a proliferação de ideologias de ódio e a relutância em redistribuir recursos de forma equitativa evidenciam a força de impulsos egoístas, da busca por poder e da aversão ao diferente. O homem, por incontáveis vezes, parece refém de suas próprias paixões e preconceitos, incapaz de transcender as divisões que ele mesmo criou. A estrutura da sociedade, as instituições políticas e econômicas, repetidas vezes, reforçam essas tendências, criando sistemas que se autoalimentam e perpetuam a desigualdade.
A chave para a evolução rumo a uma maior consciência e responsabilidade pode residir na educação, não apenas na aquisição de conhecimento técnico, mas na formação de um pensamento crítico, na promoção da empatia e no desenvolvimento de uma ética global. A desconstrução de preconceitos, a valorização da diversidade e o reconhecimento da interconexão de todos os seres humanos são passos essenciais nesse processo. A capacidade de autoanálise, de questionar as próprias crenças e de reconhecer os próprios vieses é fundamental para uma evolução genuína. Contudo, como extinguir a interconexão existente entre as gerações passadas e as gerações presentes e futuras? Não há como negar que o seio familiar planta a semente da educação na mente dos seus herdeiros. A educação ministrada em instituições de ensino não é a mesma ministrada dentro de casa. No âmbito familiar surgem modelos de vida e pensamento sem convergência com os ideais mais sensatos e humanos do viver em sociedade. Fato!!!
No que tange à eliminação das guerras, a tarefa é monumental. As causas dos conflitos são multifacetadas, abrangendo desde disputas por recursos e território até divergências ideológicas e religiosas – motivos bestas, sem exceção. No entanto, a história também nos mostra exemplos de coexistência pacífica e de resolução de conflitos por meios diplomáticos. A consolidação de instituições internacionais, o fortalecimento do direito internacional e a promoção de uma cultura de paz são caminhos a serem trilhados. Mas, a decisão de pegar em armas ou de buscar o diálogo repousa sobre a vontade individual e coletiva.
As diferenças sociais e econômicas, por sua vez, representam um desafio ainda mais complexo. Enraizadas em estruturas históricas de poder, em sistemas econômicos que privilegiam poucos e em ideologias que justificam a desigualdade, sua superação exige uma profunda reconfiguração da sociedade. A vontade política de redistribuir a riqueza, de garantir acesso universal a direitos básicos como educação e saúde, e de criar oportunidades equitativas para todos é fundamental. A consciência de que a prosperidade de uns não pode se dar à custa da miséria de outros é o ponto de partida para essa transformação.
É possível que a evolução para uma consciência e responsabilidade plenas não seja um destino final, mas um processo contínuo, uma jornada sem fim. A perfeição humana pode ser uma utopia, mas a busca por ela é o que impulsiona o progresso e um mundo melhor de se viver. A liberdade da vontade, nesse contexto, não é ausência de condicionamentos, mas a capacidade de agir de forma autônoma, de fazer escolhas que reflitam valores éticos e de assumir as consequências dessas escolhas.
Enfim, a questão se resume a uma aposta na capacidade humana de transcender suas próprias limitações. A história nos fornece tanto razões para o otimismo quanto para o ceticismo. No entanto, a própria formulação da pergunta, a ânsia por uma humanidade mais consciente e responsável, já é um sinal de esperança. Se o homem pode evitar as guerras e eliminar as diferenças sociais e econômicas, não é uma fatalidade ditada pelo destino, mas uma escolha que deve ser feita e refeita a cada geração, a cada indivíduo. O potencial existe. Porém, a concretização depende da vontade.
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